02 março 2010

A Criança, o Infantil, o Sujeito e suas representações

A Criança, o Infantil, o Sujeito e suas representações

O texto de Sauret permite uma clara distinção dos conceitos de criança, infantil e sujeito para a sociedade e as ciências positivista e humana.
Seu percurso vai desde a entrada da criança na sociedade em retratos funerários do século XVIII, na condição de morta.
Com o advento da ciência positivista, após a Revolução Francesa, existe uma clara oposição entre adulto e criança. A criança é tomada como algo a ser investigado. E a psicologia engata nesse discurso, chamando a criança de pré-verbal, destituindo-lhe a palavra e colocando-a no lugar de objeto da ciência, além da tentação de ceder ao discurso pedagógico.
Freud em sua originalidade, aponta para a sexualidade infantil e provoca confusão e resistência quanto à forma de trabalhar com as crianças em psicanálise. Entretanto, desde a teoria sexual infantil, a criança não ocupa mais o lugar de inocente, e sim de sujeito, mesmo que a teoria até então não tenha avançado nesse sentido.
A partir do conceito de sujeito, mergulhado desde antes de sua concepção no campo da linguagem, ocorre uma ruptura entre organismo e sujeito, pois a anatomia não esclarece o papel sexual do sujeito que será representado e se representará dentro de uma cadeia significante. Mas para que o sujeito advenha é preciso que a necessidade seja seguida da demanda, o que foi denominado por Freud de pulsão, segundo a definição de Sauret, “silêncio da anatomia em resposta às questões do sujeito”.
A criança ao nascer, depende completamente de um outro para sua sobrevivência. E se a mãe se dispõe ou recusa cuidá-la, o faz por receber a criança como objeto de seu fantasma e tentativa de recuperação de gozo.
O primeiro encontro com o gozo ocorre na falta fundamental, e no transcorrer das fases libidinais, há um confronto com o gozo do Outro. Esse Outro, representado primeiramente pela mãe, não garante que o sujeito advenha, pois a relação dual a ___a’ não é civilizatória, se estabelece fora da cultura.
A única alternativa é a entrada de um terceiro, o pai, como interditor de uma mãe caprichosa. Ele permite o advento do simbólico e a passagem da criança da condição de falo da mãe para sujeito do inconsciente.
É a entrada do pai que provoca a crise infantil no sujeito como resposta ao gozo da mãe e interpretação que passa ao inconsciente como fantasma fundamental. Ao pai, é reservada a condição de seu exercício pelo amor, “localizada a causa de seu desejo em uma única mulher”, abdicando de seu lugar de chefe da horda e permitindo que a causa de seu desejo seja dividida em mãe e mulher.
A função do fantasma pode assim ser definida:
1- sustentação do desejo em direção ao gozo;
2- proteção/afastamento do sujeito em direção ao gozo, pois só existe sujeito dividido;
3- oportunidade de recuperação de fragmentos de gozo de acordo com o traço de perversão.
Para o gozo, o fantasma enquanto representante do desejo é sempre faltante. O sintoma surge quando ocorre o fracasso do fantasma e inflamação do gozo.
Na escuta do sujeito em psicanálise algumas distinções devem ficar claras:
- O infantil carrega o traço de perversão e comporta o que da criança não se desenvolve, estando portanto, relacionado ao gozo;
- O sujeito, sendo a resposta do real no encontro com o significante, não tem a idade de seu organismo, mas de seu gozo;
- Ao analista cabe a escuta do sujeito por inteiro, criança ou adulto, levando em conta o tempo lógico (e não cronológico) de efetuação desse sujeito, o momento em que ele está quanto à exploração de sua estrutura. Sua postura ética é “acolher a criança sem gozar às suas custas, mesmo esta ofereça a esse gozo”.
Freud aponta que o fim de análise deve visar a recuperação da capacidade de amar e trabalhar. Sauret acrescenta: essa conquista ou recuperação dá a oportunidade de se fazer laço social. Para a psicanálise, deve-se dar à criança em análise a oportunidade de lutar contra os efeitos nocivos dos discursos pós-moderno capitalista e da ciência para os quais, em relação ao Outro, não passamos de objetos. Este aspecto aponta para um posicionamento político, segundo o autor, muito pouco explorado no meio psicanalítico.



Trabalho de conclusão do ano de 2007 do grupo:
Reuniões Clínicas/ LALÍNGUA – Espaço de Interlocuções Psicanalíticas
Texto: SAURET, Marie-Jean, “O Infantil e a Estrutura” EBP- São Paulo, 1998.
Cynara Maria Andrade Telles

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