Elaborações a respeito da leitura do Seminário “O Infantil e a Estrutura” de Marie-Jean Sauret
Daniela Giorgenon
“Não se trata apenas de decretar que a criança não é um conceito da psicanálise, porque não há psicanálise a não ser do sujeito; é necessário tratar da criança para faze-la inexistir, ‘passar a ser’: o que então deixa o seu lugar para o sujeito. A psicanálise é uma boa maneira de deixar cair a criança! ‘Onde era a criança deve eu advir’, pedindo licença para assim torcer o aforismo freudiano.”
(Sauret in “Il faut savoir laisser tomber l’enfant”, cf. Fingermann apud Sauret, 1997, p. 6)
Mais do que falar sobre a criança (especificidade criada pela ciência moderna e conseqüência dos ideais da Revolução Francesa), Sauret trata neste seminário de colocar em evidência o conceito de infantil (este sim um conceito psicanalítico) para tecer sua relação com a estrutura do sujeito. É, então, uma leitura para todo e qual-quer psicanalista, não só para os que atendem crianças. Afinal somos todos analistas do infantil.
Sauret instaura neste seminário um mais “além”, ao quebrar/castrar a classificação ditada pelo social que inclui e exclui o sujeito em categorias como criança, adulto, idoso, deficiente, pobre, inteligente etc. Sauret propõe tratar do sujeito como sujeito, pois este é atemporal e não depende de critérios sociais de inteligibilidade, classe social etc para que emerja.
É bem sabido que a estruturação do sujeito dá-se por meio da intervenção da Metáfora Paterna em determinado momento da vida ... da criança?. É o que estamos habituados a repetir. Sauret ao colocar em primeira instância o infantil torna claro que a decisão por uma estrutura não necessariamente precisa ocorrer em determinada idade, em determinada cronologia. Trata-se mais de uma questão lógica, na qual cada sujeito terá que se haver, e ... que a negação, o desmentido ou a foraclusão da castração/Nome-do-Pai não será sem conseqüências.
Sauret (1997) nomeia precisamente o infantil como:
“os traços do gozo do Outro, o que há de gozo ineliminável que o sujeito deve ao fato, senão de falar, pelo menos de consentir no significante. São esses traços que Freud designa com o termo de fixação, de traços de gozo, de além do princípio do prazer, de repetição, etc. É ao mesmo tempo a matriz das relações do sujeito com o Outro, matriz colorida por esses rastros. É enfim a solução “ao pai” que o sujeito traz à crise infantil, incluindo as ditas fixações como índices do gozo, solução que “passa ao inconsciente como fantasma fundamental”” (p.21, grifos meus).
É para o infantil que o analista dirige suas pontuações e im-pulsiona o analisando a se haver com esse traço ineliminável de gozo pelo qual é necessário passar numa análise. Sauret deixa bem claro qual é a direção da análise: no passe o sujeito re-torna ao infantil. É a travessia do fantasma que leva o sujeito a dar esse passo. E para atravessar o fantasma é necessário que, nos primórdios da análise, o sintoma seja escutado como um significante, já que é somente por meio dos significantes que o sujeito emerge.
Em meu atual percurso pela psicanálise o que mais se tornou provoca-dor na leitura deste seminário foram os momentos dedicados à “interpretação” por Sauret. Tenho refletido nas conseqüências da interpretação para a direção do tratamento e Sauret (1997) deixa (o) isso um tanto claro nesta colocação: “a interpretação deve visar o real do ser de gozo do sujeito a fim de “modificar” a solução fantasmática e permitir um enodamento diferente” (p. 64).
Neste “real do ser de gozo” que sublinhei, entendo que está o impossível. O impossível de ser dito. Aquilo que remete ao infantil pelo traço de gozo ineliminável. Assim, é possível! nesta explanação fazer uma amarração do que foi mencionado acima com a questão da interpretação do analista ser um dizer e não um dito. Um dizer que visa um “algo além”.
A interpretação é um dizer e quem dá o sentido é o analisando. Para tanto, é necessário que a interpretação analítica se vista com um “sentido branco”, conforme Sauret, e aponte para o impossível. Como discutimos, o “sentido branco” situa-se do lado da poesia, é a solução ao duplo efeito do significante: “palavra plena” (que veicula alguma coisa do sujeito sem poder captar seu real) e “palavra vazia” (capaz de captar o real da ciência ao preço da renúncia ao sujeito).
O “sentido branco” é o que possibilita veicular alguma coisa do sujeito e também cercar-lhe o real. É um sentido e não uma palavra, um sentido irreversível pois torna impossível a esse sentido que resta verter-se em outro sentido. Entendo isso como uma castração do sentido: ele só pode ser aquilo em função da incidência do real.
Sauret (1997) nos diz que “É preciso, pois, um passo a mais na interpretação psicanalítica: que ela incida precisamente sobre o ponto onde não há Outro que responda, dando a oportunidade ao sujeito de localizar ali o que de seu ser faz objeção ao saber.” (p. 67).
Feitas estas pontuações, não vejo outra maneira de concluir este trabalho que não seja com uma poesia. Trago para tanto uma poesia que retirei de um texto de Tfouni (2001). Trata-se da poesia criada por um homem adulto que estava aprendendo a ler e a escrever. Para mim, explicita bem os caminhos percorridos por um sujeito numa análise e os frutos da incidência da interpretação psicanalítica.
Vamos falar das palvras muda
No horto florestal há muitas muda
Todas arvoris vem di muda Eu gosto de formar muda-
A cana também da muda
A lua tambem sempre muda
Os nomes de um para o outro as ltras muda
Existe vários nomes com letras muda.
(Sebastião Ferreira da Silva)
Ao meu ver, nesta poesia transparece-se a incidência de um sentido branco. Aponto também que o final da poesia, a última frase, traz o passe, no reconhecimento do sujeito daquilo que faz objeção ao seu saber, aquilo que muda, cala (mas, que por ser um significante, muda, também re-nova-se, serve de muda, que dá origem a algo novo.
Há a revelação da “letra” no fim da análise assim como na poesia.
REFERÊNCIAS
SAURET, M.J. O infantil & a estrutura. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise, 1997.
TFOUNI, L.V. A dispersão e a deriva na constituição da autoria e suas implicações para uma teoria do letramento. In: SIGNORINI, I. (org). Investigando a relação oral/escrito e as teorias do letramento. Campinas-SP: Mercado de Letras, p. 77-94, 2001.
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